22.3.09

A Terceira Margem do Rio - Análise sob a luz da psicanálise

Por Barbara Tavora

A história é centrada em três personagens: o pai, o filho e a mãe. 
No início o autor descreve a personalidade do pai, que podemos identificar como Significante, possuidor de características que vão se definir com as funções acumuladas da figura do pai simbólico. O pai era "homem cumpridor, ordeiro e positivo". 
Em seguida ele fala sobre a mãe e pode-se notar que ela detém uma das funções do pai, era ela quem impunha a ordem e a disciplina aos filhos, nas coisas de casa e na vida cotidiana. 
Um dia o pai resolveu mandar construir para si uma canoa, com características de um objeto duradouro, dando a impressão de que ele iria usar durante muito tempo. 
A idéia da construção da canoa ameaça no pensamento da mãe as funções do pai de família e com as coisas da casa, enveredando pelo caminho da falta de cuidado com essas coisas através da pescaria e ou da caçada. Mais adiante, ao contrário do que ela poderia imaginar, o pai está cumprindo sua função, está assumindo a sua posição de pai símbolo, de forma extremamente exagerada, afastando-se de tudo que não pertence ao símbolo. 
Quando a canoa ficou pronta, o pai despediu-se, não fez recomendações nem mala, dando a impressão de que iria para longe. A mãe não impediu, nem reclamou, ao contrário, foi condescendente. Ela não estava pronta, preparada para se por em conflito, ela sacrifica sua própria opinião para não ter que se expor, como o próprio texto diz: "nossa mãe muito não se demonstrava..." 
O pai chama o filho, que mesmo com medo da mãe, obedientemente o segue. A figura do pai é muito forte, o filho admirava suas atitudes mesmo sem compreender, e até deseja ir com ele. 
O pai não voltou nem foi para longe, tinha ido embora, mas permanecia ali perto. Começando a mostrar gradativamente que está em seu estado de suspensão entre o consciente e incosciente. Discurso do analista. A atitude absurda do pai começa a surtir efeito nas pessoas ao redor, os parentes que nunca haviam se reunido antes, se reuniram para discutir a respeito da lacuna deixada por aquele homem. 
Diante da prudência e da sensatez que a mãe apresentava, a família e os vizinhos não encontrando motivo que justificasse a atitude do pai, só conseguiram imaginar que estivesse louco. Outros tentaram encontrar uma possibilidade que tivesse ligada a uma doença ou algum pagamento de promessa. 
O pai que se aproxima do mito ou que está começando a se tornar uma figura mítica, nele a psicanálise reconhece que obedece a uma exigência interna relativa a realidade psiquê do desejo. 
O filho passa a alimentar o pai acabando com a possibilidade de desistência por falta de comida. A mãe sabia e consentia, até ajudava, mas não se expondo. A mãe só agia por meios "laterais", chamando o tio, o professor para as crianças, o padre... pessoas que podiam compensar a ausência do pai. Se percebe a alienação da mãe porquanto vive em função da família. 
Quando o pai se afasta, o único a expressar a dor e a ausência dele é o filho quando diz que só se entendia com o pai, enquanto os outros procuravam não pensar nisso, aceitando a falta do pai como uma coisa dolorosa, mas que cabia na vida do dia-a-dia. 
O pai, que possui o discurso do analista, na sua "loucura", causa histeria em toda a família. O silêncio, de um lado, corresponde ao silêncio da família. 
Mais tarde, quando a irmã se casa, a mãe não faz festa. Se ela bloqueia a sua falta de um lado, também não quer chamar atenção para ela, já que bloqueou o desejo e sufocou o impulso de ir buscar o marido.
O filho expressa o modelo que o pai era para ele: "Foi pai que um dia me ensinou assim...". Discurso do universitário. 
A família vai embora, cada um seguindo o seu caminho, mas o filho fica, persistindo em sua busca, sem mesmo saber ao certo o que buscar. Quando quis ir atrás da verdade, sem esperar pelo pai, e teve a idéia de fazer assim, descobriu que o homem que havia construido a canoa estava morto, ficando a última possibilidade de saber, sem ter que entrar em contato com o pai, fora de alcance. 
Os questinamentos internos do filho ficam cada vez mais fortes. Questionando a imaginação das pessoas ao redor, que imaginaram que o pai fosse o avisado tal qual Noé e que a canoa fosse o equivalente a arca. Assim temendo o fim-do-mundo e o pai se equiparando ao mito enquanto se misturava ao próprio rio. Constante em sua presença, constante em sua ausência. 
O filho sentia culpa e pena, tornara-se obesessivo, esperava que a descoberta da verdade substituisse a sua falta, mas não via a si mesmo. Enquanto torturado pelo sentimento de culpa, questionava sua própria loucura, mas como ele disse, a palavra louco em sua casa não se usava. Todos eram loucos ou ninguém era, aparecendo assim a idéia, em que se baseiam os padrões da psicanálise, de que o indivíduo que possuiu a patologia, acaba por fazer os outros perceberem os elementos anormais que existem em todas as pessoas, quebrando o conceito de anormalidade dessas pessoas, mas num grau menor que no indivíduo que possui a patologia. 
O filho acaba por descartar a possibilidade de sua própria loucura e vai ao encontro do pai e propõem que troquem de lugar. Sente que agiu de forma correta e que seu coração se confortava com essa atitude. 
Porém o filho, que sentia culpa e medo, não estava pronto para aquele encontro, achando que tinha a obrigação de salvar o pai, mas não teve coragem ao ver diante de si aquilo que por tanto tempo havia esperado, sem ao certo saber porque apavorou-se, voltou atrás, e fugiu, deixando para trás a possibilidade de compreensão. Acaba por se frustar e por fim recorre ao símbolo como esperança de libertação, que seja no tempo de sua morte, dizendo que quando morresse, seu corpo fosse depositado numa canoa, no meio do rio. Talvez para ter o mesmo destino do pai, para se juntar a ele ou como forma de auto-punição. 
O filho que esperava que a descoberta da verdade que aparece com seu saber, que é o Significado, pudesse substituir a sua falta. 
Pai e filho são imagem invertida no espelho, discursos opostos, o pai a ponto de trocar de lugar com o filho, mas o filho não estando pronto para isso. 
Viagem que vai do mínimo ao máximo, na aventura em busca do infinito e, ao mesmo tempo, na viagem da circularidade temporal em que a obra se desenvolve, na união possível desses extremos que se tocam-se simboliza o infinito. 
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- BAGGIO, Angela M Brasil. Psicologia do Desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1983. 
- FREUD, Sigmund. Freud. Documentos, 1969. 
- MAGNO, Machado Dias. Rosa Rosae. 
- ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972. 
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