24.3.09

Literatura e Cinema

Por Barbara Tavora

Os séculos XX e XXI são os séculos da imagem. Este é um dado cultural irrefutável. O cinema, depois a televisão e o vídeo, e, agora a informática, dominam o imaginário coletivo. A palavra e a escrita passaram a inter-agir com outros discursos: som-palavra-imagem fundem-se em novas noções de texto que começa a emergir com uma mudança em termos de paradigma cultural. 
O cinema como máquina de "criação de imagens" coloca novos desafios à nossa relação com o mundo e com o real, já que cada imagem é única e fornece uma nova experiência de mundo visível. O cinema não fala das coisas como na literatura, mas as mostra. 
Os novos paradigmas contemporâneos lançam, então, o desafio de fundarmos um verdadeiro diálogo interdisciplinar e transdisciplinar, sem quaisquer visões redutoras nem preconceitos inibidores da criatividade artística ou científica. 
Se uma cultura de raíz logocêntrica ganhou foros de universidade após a invenção da imprensa, o final do século XX e início do XXI parecem ser cada vez mais caracterizados, nesta linha de sentido, por uma cultura pós-literária.
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23.3.09

Uma crítica sobre Literatura e Ensino - Roland Barthes

Por Barbara Tavora

De onde vem o gosto pela leitura? Haveria prazer no ato de ler? De qual prazer se fala, quando se fala no prazer da leitura? 
Ler é o ato que precisa de outro para reconhecer e legitimar sua inauguração. É por isso que, na escola, pede-se que se mostre o que se sabe. Na escola lê-se em voz alta, tanto para convencer de que se deve ler, quanto para ensinar o que se deve ler. Escolhendo o que deveria ser lido e como deveria ser lido, a escola pretende desenvolver o gosto pela leitura. 
A escola deve estabelecer como prioridade, que a leitura deve dar lugar ao trabalho, e ser ela mesma parte de um trabalho. 
Pode-se fazer de um trabalho um prazer? Sim, pode, depois de uma elaboração muito paciente. Tem que dar aos alunos a possibilidade de criar algo completo, que é impossível levando-se em consideração vários fatores. Criar implica um certo trabalho. Mas, em cima desses exercícios "incompletos", é possível sensibilizar os alunos para a produção e para a recepção dos efeitos. 
Considerando as práticas de leitura e produção (escrita), pode-se ensinar literatura? 
No amor pela procriação, pela criação, que o escritor escreve. É nesse amor dele que estamos imersos quando lemos, pois o que também procuramos é o belo, algo que seja capaz de de nos fazer conceber aquilo que estavámos prenhes há muito tempo e sobre o que nada sabíamos. Opera-se em nós uma criação do pensamento e das demais virtudes¹. Diferentes autores nos oferecem a chance única, irrepetível, de descobrir em nós mesmos, e de criar, diferentes maneiras de lidar com o texto. E retorna-se a pergunta: Pode-se ensinar literatura? 
Só é preciso ensinar isso, porque dela se aproximam todos os saberes. Um texto, uma leitura, me faz saber capaz de qualquer coisa. A literatura é a mediadora do saber. Dizem alguns, que basta saber ler. 
Uma prática de leitura, uma prática de criação de texto nos remete a literatura, pois é ela quem nos oferece essas oportunidades. Só é preciso ensinar literatura. 
Ler é uma palavra polissêmica e está presente em diversos campos do conhecimento e do fazer: na astronomia, no direito, na filosofia, na retórica... É o ato ou aquilo que atesta veracidade ou a autenticidade de alguma coisa; o processo pelo qual se verifica a exatidão de um cálculo. Ler nos ensina a pensar, pensar articuladamente, sempre acreditando que cada idéia faz parte de um texto em sua inteireza, mas também é um fragmento que pode permitir-me compor outros textos e com outros textos. 
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1 - BARTHES, R. "Vinte palavras-chave para Roland Barthes". in: O Grão da voz. Entrevistas. Porto: 1982.
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Antropofagia na Literatura / Cultura Brasileira

Por Barbara Tavora

Oswald de Andrade, em 1924, lança o "Manifesto Antropófago". 
A antropofagia é uma espécie de canibalismo, mas entre os índios brasileiros, somente acontecia quando o inimigo se mostrava forte e digno, sendo uma forma de absorver o que o outro tinha de bom. 
A idéia era absorver o que a literatura estrangeira tinha de bom, deglutindo e devolvendo o resto. Absorvendo o que vinha de melhor, mas não reproduzindo, e sim fazendo uma leitura crítica (com certo humor), dessa forma mantendo um diálogo, uma paródia. 
Sendo o Brasil um país heterogêneo, como pensar em cultura num lugar assim? O Manifesto Antropófago seria uma proposta de vingança e demonstração de força contra o entrangeiro, onde a riqueza do Brasil está na multiplicidade de capacidade de almagamar novas idéias. 
Em "Macunaíma - O herói sem nenhum caráter", de Mário de Andrade, a idéia de antropofagia está presente como força; já o Tropicalismo devora todos os estilos musicais com algo primitivo (nosso). 
Toda vez que o brasileiro investe em algo estrangeiro com o primitivo como criação, pode-se acreditar que é antropófago.
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22.3.09

Características da Cultura Brasileira através das músicas "Marginália II" e "Geléia Geral"

Por Barbara Tavora

Coitado de Oswald de Andrade; de que adiantou seu Manifesto Antropófago, se o que continuam cantando é o nacionalismo alienado que Gonçalves Dias tanto proclamou. 
Os jornais anunciam, sim, anunciam somente o que interessa ser mostrado. Para que informar, informar com precisão os fatos reais, não os fantasiosos? Pode-se banalizar, é muito melhor, talvez seja um teste de criatividade para quem as cria. Assiste-se à televisão, cada um em seu lugar, deglutindo tudo que se joga de lixo, sem reclamar, e a novidade rolando solta... e trabalha-se duro o ano inteiro, recebe-se mal, esperando e junatndo dinheiro, para quando chegar fevereiro cair no carnaval. 
A alegria toma conta do Sambódromo, com incentivo do poder, para que se matem de contentes enquanto se pratica o roubo e a pilantragem impunementes e dentro da Lei.
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A Terceira Margem do Rio - Análise sob a luz da psicanálise

Por Barbara Tavora

A história é centrada em três personagens: o pai, o filho e a mãe. 
No início o autor descreve a personalidade do pai, que podemos identificar como Significante, possuidor de características que vão se definir com as funções acumuladas da figura do pai simbólico. O pai era "homem cumpridor, ordeiro e positivo". 
Em seguida ele fala sobre a mãe e pode-se notar que ela detém uma das funções do pai, era ela quem impunha a ordem e a disciplina aos filhos, nas coisas de casa e na vida cotidiana. 
Um dia o pai resolveu mandar construir para si uma canoa, com características de um objeto duradouro, dando a impressão de que ele iria usar durante muito tempo. 
A idéia da construção da canoa ameaça no pensamento da mãe as funções do pai de família e com as coisas da casa, enveredando pelo caminho da falta de cuidado com essas coisas através da pescaria e ou da caçada. Mais adiante, ao contrário do que ela poderia imaginar, o pai está cumprindo sua função, está assumindo a sua posição de pai símbolo, de forma extremamente exagerada, afastando-se de tudo que não pertence ao símbolo. 
Quando a canoa ficou pronta, o pai despediu-se, não fez recomendações nem mala, dando a impressão de que iria para longe. A mãe não impediu, nem reclamou, ao contrário, foi condescendente. Ela não estava pronta, preparada para se por em conflito, ela sacrifica sua própria opinião para não ter que se expor, como o próprio texto diz: "nossa mãe muito não se demonstrava..." 
O pai chama o filho, que mesmo com medo da mãe, obedientemente o segue. A figura do pai é muito forte, o filho admirava suas atitudes mesmo sem compreender, e até deseja ir com ele. 
O pai não voltou nem foi para longe, tinha ido embora, mas permanecia ali perto. Começando a mostrar gradativamente que está em seu estado de suspensão entre o consciente e incosciente. Discurso do analista. A atitude absurda do pai começa a surtir efeito nas pessoas ao redor, os parentes que nunca haviam se reunido antes, se reuniram para discutir a respeito da lacuna deixada por aquele homem. 
Diante da prudência e da sensatez que a mãe apresentava, a família e os vizinhos não encontrando motivo que justificasse a atitude do pai, só conseguiram imaginar que estivesse louco. Outros tentaram encontrar uma possibilidade que tivesse ligada a uma doença ou algum pagamento de promessa. 
O pai que se aproxima do mito ou que está começando a se tornar uma figura mítica, nele a psicanálise reconhece que obedece a uma exigência interna relativa a realidade psiquê do desejo. 
O filho passa a alimentar o pai acabando com a possibilidade de desistência por falta de comida. A mãe sabia e consentia, até ajudava, mas não se expondo. A mãe só agia por meios "laterais", chamando o tio, o professor para as crianças, o padre... pessoas que podiam compensar a ausência do pai. Se percebe a alienação da mãe porquanto vive em função da família. 
Quando o pai se afasta, o único a expressar a dor e a ausência dele é o filho quando diz que só se entendia com o pai, enquanto os outros procuravam não pensar nisso, aceitando a falta do pai como uma coisa dolorosa, mas que cabia na vida do dia-a-dia. 
O pai, que possui o discurso do analista, na sua "loucura", causa histeria em toda a família. O silêncio, de um lado, corresponde ao silêncio da família. 
Mais tarde, quando a irmã se casa, a mãe não faz festa. Se ela bloqueia a sua falta de um lado, também não quer chamar atenção para ela, já que bloqueou o desejo e sufocou o impulso de ir buscar o marido.
O filho expressa o modelo que o pai era para ele: "Foi pai que um dia me ensinou assim...". Discurso do universitário. 
A família vai embora, cada um seguindo o seu caminho, mas o filho fica, persistindo em sua busca, sem mesmo saber ao certo o que buscar. Quando quis ir atrás da verdade, sem esperar pelo pai, e teve a idéia de fazer assim, descobriu que o homem que havia construido a canoa estava morto, ficando a última possibilidade de saber, sem ter que entrar em contato com o pai, fora de alcance. 
Os questinamentos internos do filho ficam cada vez mais fortes. Questionando a imaginação das pessoas ao redor, que imaginaram que o pai fosse o avisado tal qual Noé e que a canoa fosse o equivalente a arca. Assim temendo o fim-do-mundo e o pai se equiparando ao mito enquanto se misturava ao próprio rio. Constante em sua presença, constante em sua ausência. 
O filho sentia culpa e pena, tornara-se obesessivo, esperava que a descoberta da verdade substituisse a sua falta, mas não via a si mesmo. Enquanto torturado pelo sentimento de culpa, questionava sua própria loucura, mas como ele disse, a palavra louco em sua casa não se usava. Todos eram loucos ou ninguém era, aparecendo assim a idéia, em que se baseiam os padrões da psicanálise, de que o indivíduo que possuiu a patologia, acaba por fazer os outros perceberem os elementos anormais que existem em todas as pessoas, quebrando o conceito de anormalidade dessas pessoas, mas num grau menor que no indivíduo que possui a patologia. 
O filho acaba por descartar a possibilidade de sua própria loucura e vai ao encontro do pai e propõem que troquem de lugar. Sente que agiu de forma correta e que seu coração se confortava com essa atitude. 
Porém o filho, que sentia culpa e medo, não estava pronto para aquele encontro, achando que tinha a obrigação de salvar o pai, mas não teve coragem ao ver diante de si aquilo que por tanto tempo havia esperado, sem ao certo saber porque apavorou-se, voltou atrás, e fugiu, deixando para trás a possibilidade de compreensão. Acaba por se frustar e por fim recorre ao símbolo como esperança de libertação, que seja no tempo de sua morte, dizendo que quando morresse, seu corpo fosse depositado numa canoa, no meio do rio. Talvez para ter o mesmo destino do pai, para se juntar a ele ou como forma de auto-punição. 
O filho que esperava que a descoberta da verdade que aparece com seu saber, que é o Significado, pudesse substituir a sua falta. 
Pai e filho são imagem invertida no espelho, discursos opostos, o pai a ponto de trocar de lugar com o filho, mas o filho não estando pronto para isso. 
Viagem que vai do mínimo ao máximo, na aventura em busca do infinito e, ao mesmo tempo, na viagem da circularidade temporal em que a obra se desenvolve, na união possível desses extremos que se tocam-se simboliza o infinito. 
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- BAGGIO, Angela M Brasil. Psicologia do Desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1983. 
- FREUD, Sigmund. Freud. Documentos, 1969. 
- MAGNO, Machado Dias. Rosa Rosae. 
- ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972. 
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16.3.09

Uma análise jurídica sobre o "processo dos Távora"

Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta
advogado em Belém (PA)
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No ano de 1758, o rei português D. José I foi vítima de um atentado dentro de seu próprio país. A partir daí, sob a acusação da prática dos crimes de Traição e Lesa-Majestade, procedeu-se uma perseguição a membros de algumas das principais famílias da nobreza de Portugal, especialmente o Duque de Aveiro e o Marquês de Távora. Tal perseguição culminou num julgamento de cunho político repleto de irregularidades jurídicas e numa execução bárbara com requintes de crueldade que entrou para a história como "O Processo dos Távora".

"O Processo dos Távora", igualmente cognominado de "O Caso dos Távoras" é um episódio histórico muito famoso em Portugal, mas que permanece até os presentes dias cercado de lacunas e pontos obscuros tanto do ponto de vista fático quanto jurídico.

Como se trata de um acontecimento praticamente desconhecido no Brasil e pelo fato de aqui serem residentes e domiciliados vários descendentes das famílias envolvidas nessa tragédia, pareceu-me oportuno escrever a respeito do tema.

A história remonta o ano de 1750, quando El-Rei Nosso Senhor de Portugal, D. João V (tratamento conferido aos reis da época) nomeou D. Francisco de Assis (o Marquês de Távora), para o cargo de Vice-Rei da Índia. Assim, em março daquele ano o Marquês de Távora partiu para a Índia com o intuito de representar a Coroa Portuguesa naquele país, acompanhado de sua esposa D. Leonor Tomásia de Távora [01] (a Marquesa de Távora) e seus filhos Luís Bernardo (o Marquês-novo) e José Maria, deixando em Portugal suas duas filhas casadas e a esposa de Luís Bernardo, Teresa de Távora e Lorena (a Marquesa-nova).

Enquanto D. Francisco de Assis estava em Goa, na Índia, o rei D. João V faleceu, assumindo o trono o até então príncipe D. José (agora El-Rei D.José I).

Ao regressarem a Portugal, após quatro anos de bem sucedido governo de D. Francisco de Assis na Índia, os Marqueses de Távora foram informados por amigos e parentes que a esposa de Luís Bernardo de Távora, D. Teresa de Távora [02] havia se tornado a amante preferida do rei D. José I, e que esse relacionamento amoroso adulterino já era de conhecimento público. Indignada com a situação, D. Leonor passou a pleitear a anulação canônica do casamento de seu filho Luís Bernardo e exigiu que o mesmo não mais convivesse maritalmente com D. Teresa.

A posição radical adotada pela Marquesa de Távora em relação ao casamento do filho mais velho, aborreceu extremamente o rei D. José I, o qual mandou seu principal ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, tentar convencer os Marqueses de Távora de que D. Teresa deveria retomar a vida conjugal normal com o marido Luís Bernardo de Távora. Contudo, os Marqueses se mostraram irredutíveis. Posteriormente, o próprio rei D. José I solicitou pessoalmente a D. Francisco de Assis que fosse relevado o "suposto affair" de D. Teresa com aquele regente em troca de favores e títulos no governo, mas D. Francisco de Assis recusou a proposta do rei, irritando-o mais profundamente ainda.

Pouco tempo depois, em 1º de novembro de 1755, dia de feriado religioso católico português denominado "Dia de Todos os Santos", a cidade de Lisboa (capital do Império Português) sofreu um terrível terremoto que destruiu casas, igrejas, edifícios e palácios, e que foi sentido inclusive em outras cidades do Reino. Não se tratou de mais um dos tantos abalos sísmicos a que os europeus estavam acostumados, mas sim o pior da história do velho continente já registrado. Além do terremoto, Lisboa foi inundada por um grande maremoto e depois ficou ardendo em chamas durante seis dias.

Os membros do clero de Portugal encararam essa catástrofe natural como uma revolta de Deus em relação aos amores adulterinos do rei D. José I e de sua política de governo, da qual era figura fundamental o ministro Carvalho e Melo. Um dos sacerdotes mais exaltados foi o padre Gabriel Malagrida, o qual chegou a escrever um manifesto intitulado "Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto" descrevendo o cataclismo como punição divina aos pecados dos governantes do país e profetizando novos desastres se os culpados continuassem a agir daquela forma; o que provocou a ira do rei e do ministro Carvalho e Melo.

É imperioso mencionar que o rei D. José I não gostava de governar e delegava a maioria de seus poderes, principalmente para o seu ministro de confiança Sebastião José de Carvalho e Melo (o qual futuramente foi nomeado Marquês de Pombal [03]). Desse modo, determinados membros da nobreza começaram a se incomodar com o fato de uma pessoa considerada de origem inferior a deles deter cada vez mais poder prestígio e importância no Reino.

Foram nessas circunstâncias que se esboçou um movimento palaciano contestatório, encabeçado pelo desembargador Costa Freire, com o fulcro de derrubar o governo e substituí-lo por outro, a ser constituído por alguns membros da nobreza portuguesa.

Posto isso, em 03 de setembro de 1758, deu-se o incidente que mudou a história. Nessa noite, o rei D. José I saiu secretamente para uma breve visita a sua amante predileta, D. Teresa de Távora. Tanto era secreto esse encontro que alguns dias antes o rei havia decretado luto oficial no país em virtude da morte de sua irmã Maria Bárbara, ex-rainha da Espanha; fato esse que impedia as saídas dos membros da Família Real do Paço que habitavam em Belém, depois do terremoto em Lisboa. Desse modo, o rei não se serviu da carruagem nem da escolta reais.

Ao retornar do encontro com a Marquesa-nova, o monarca tomou a estrada de volta ao Paço, quando por volta das onze e meia da noite, homens encapuzados abriram fogo de clavina e pistola sobre a carruagem que transportava o soberano, ferindo-o no ombro e braço direitos, bem como nas costas. Contudo, o cocheiro conseguiu escapar levando o rei até a casa do Marquês de Angeja [04], na Junqueira, onde permaneceu até o amanhecer, quando regressou ao Paço numa carruagem real e escoltado por um corpo de Dragões.

Depois do ocorrido, o rei D. José I ordenou que o ministro Carvalho e Melo procedesse a uma investigação sobre o atentado [05] com o intuito de apenar os culpados. Sendo assim, o aludido ministro se aproveitou da situação utilizando o atentado sofrido pelo monarca como pretexto para deflagrar um processo de perseguição aos maiores opositores deles (ou seja, pessoas contrárias ao rei e ao ministro), culpando e incriminando setores do clero e da nobreza pelos crimes de Traição e Lesa-Majestade.

As principais retaliações sofridas pelo clero foram à queda da Companhia de Jesus, o encarceramento de figuras exponenciais do alto e baixo clero e até mesmo a morte de alguns deles.

Por sua vez, no que tange à nobreza, foi criado expressamente para julgar as pessoas as quais se atribuíam à culpa da tentativa de regicídio um órgão denominado Tribunal da Inconfidência; porém os juízes encarregados do caso jamais lograram provar substancialmente uma inteira e líquida culpabilidade dos réus, pois as provas eram tão fracas e inconsistentes que às vezes nada mais eram do que deduções extraídas do que indivíduos teriam dito ou ouvido pelas ruas, e as confissões obtidas de alguns réus teriam sido conseguidas por intermédio de coação física.

É nesse contexto que deve ser analisada a confissão do Duque de Aveiro, o qual sob tortura chegou a confessar muito mais do que lhe fora perguntado, implicando na conjura todos aqueles que sabia terem caído no desagrado do Rei e de seu todo-poderoso ministro. Por conseguinte, asseverou que o desacato havia sido cometido por instigação dos padres jesuítas, tendo como cúmplices os nobres Marquês de Angeja, o Conde de Avintes, os Condes da Ribeira Grande, Óbidos e São Lourenço, os Marqueses de Távora pai e filho, José Maria de Távora e o Desembargador Costa Freire [06]. Todavia, por ordem do ministro, o conteúdo dessa "confissão" não serviu para incriminar a totalidade das pessoas nele envolvidas, mas apenas as que lhe interessavam.

Ademais, a Marquesa Leonor de Távora nunca esteve presente no Tribunal e sequer foi inquirida pelos juízes, pois nem se sabia que ela estava entre os acusados. De fato, só quando o desembargador Eusébio Tavares de Sequeira (o qual houvera sido incumbido pelo próprio rei de proceder à defesa dos inculpados) requereu a Carvalho e Melo os quesitos do processo e inculpação para redigir tal defesa, é que o ministro lhe comunicou que ela era um dos principais acusados.

Vale ressaltar a incrível celeridade com que ocorreram os derradeiros atos da marcha processual, pois a defesa dos réus foi entregue no dia 11 de janeiro de 1759 às quatro horas da tarde e nesse mesmo dia a Junta conclui os autos e requereu ao rei permissão para agravar as penas previstas em lei. No dia 12, foi concluída a devassa, redigida a sentença, comunicada aos réus e executada na manhã do dia 13.

Destarte, o julgamento em tela foi em tudo contrário às leis e a justiça, mesmo porque consoante o escritor português Luiz Lancastre e Távora [07] há registros de que a sentença já se encontrava previamente lavrada antes mesmo do término do julgamento. Tanto isso é verdade que nem os juízes cuidaram em averiguar um único fato alegado pelos réus em sua defesa ou em inquirir uma só testemunha por eles oferecidas.

Não obstante, passa-se, enfim, à parte das sentenças: ao Duque de Aveiro e ao Marquês de Távora pai seria aplicada a pena de serem rompidos em vida, quebrando-lhes os ossos das pernas, braços e peito a golpes de maça, estando seus corpos atados às rodas, após o que seria queimados, sendo as cinzas jogadas ao mar. D. Leonor teria a cabeça decepada à espada pelo carrasco, o qual após expor a cabeça ao povo deveria queimá-la juntamente com o restante do corpo e lançar as cinzas ao mar. O Marquês Luís Bernardo, José Maria Távora e o Conde de Atouguia seriam logo garrotados e só depois quebrados os ossos das pernas e braços, antes de serem seus corpos lançados na mesma fogueira que os predecessores. Pena igual aplicar-se-ia aos criados Manuel Álvares e João Miguel, assim como ao cabo Brás Romeiro. António Álvares e José Policarpo de Azevedo seriam atados em postes altos e queimados em vida, tendo suas cinzas o mesmo destino das dos outros réus. Além disso, todos foram condenados a desnaturazilação de Portugal, exautoração das honras e privilégios da nobreza a que tinham direito e total confisco de bens.

Ademais, no tocante especificamente à família Távora, ficava de futuro proibido o uso do sobrenome Távora; determinava-se que suas armas fossem picadas e raspadas onde quer que se encontrassem; o restante das mulheres deveriam ser separadas dos filhos (os quais ficavam obrigados a professar) e encerradas em conventos; e suas casas arrasadas e salgados os chãos onde se erguiam para eterna lembrança desse castigo.

A execução da sentença ocorreu no sítio de Belém, no chamado Cais Grande, onde se construiu especialmente para tal feito um alto e grande patíbulo [08] todo em madeira sobre o qual se encontravam os postes, as rodas, as aspas e todos os outros apetrechos necessários a sua realização; e onde até hoje existe um pelourinho.

À luz do exposto, percebe-se que todo o processo foi uma farsa, levada a cabo para ocultar, sob uma aparência de legalidade, uma das mais atrozes vinganças pessoais e uma política de governo autocrática e absoluta, constituindo-se "O Processo dos Távora" num ato meramente político e sendo o Tribunal da Inconfidência tão-somente um instrumento da política pombalina.

Alfim, faz-se-mister ressaltar que após a morte do rei D. José I e da saída do Marquês de Pombal do governo português, a nova rainha D. Maria I ordenou que se procedesse a um inquérito sobre a atuação do ex-ministro e consentiu na revisão do processo dos Távora. Nesse sentido, os juízes que examinaram a petição de revisão da sentença condenatória dos Marqueses de Távora, filhos e genro, o Conde de Atouguia, consideraram -lhes inocentes face às provas que haviam sido usadas para incriminá-los; reabilitando-se a Memória da família Távora e devolvendo-se, na medida do possível, os títulos e bens a que tinham direito.


Notas


01 Leonor Tomásia de Távora e Francisco de Assis eram primos legítimos entre si e tiveram o casamento arranjado desde cedo pelos respectivos pais (como era de praxe na época). Ela era herdeira da Casa dos Távoras e ele era filho do Conde de Alvor. Desse matrimônio nasceram 13 filhos, dos quais 09 pereceram em tenra idade, sobrevivendo só dois homens e duas mulheres, a saber: Mariana Bernarda de Távora (primeiro rebento do casal), Luís Bernardo de Távora (o primeiro filho homem do casal), José Maria de Távora e Leonor de Lorena e Távora.

02 Teresa de Távora e Lorena (a Marquesa-nova) era filha do Conde de Alvor (portanto, irmã de Francisco de Assis) e nasceu com poucos dias de diferença de Luís Bernardo. Assim, em tom de jocosidade, o Conde de Alvor dissera que deveria ficar desde logo aprazado o casamento da tia com o sobrinho legítimo; o que para a desgraça da família realmente viera a se concretizar em 1742.

03 O título de Marquês de Pombal foi instituído em benefício de Sebastião José de Carvalho e Melo por decreto do rei D.José I em 16 de Setembro de 1769.

04 O qual era cunhado do rei D. José I.

05 Na realidade, nunca se descobriram as verdadeiras pessoas nem motivações envolvidas por trás daquele incidente, existindo diversas teorias a respeito. Pessoalmente, filio-me a corrente que sustenta trata-se o atentado ao rei D. José I de uma simples tentativa de assalto, muito comum àquela hora e local.

06 O qual já havia sido castigado há bastante tempo com o desterro para Angola, na África.

07 D. Leonor de Távora. O Tempo da Ira. O Processo dos Távora, 3.ed., Lisboa: Quetzal, 2003. (Livro que serviu de base à redação do presente artigo).

08 Concluída com êxito a execução da sentença, fora ateado fogo no patíbulo, transformando-o em uma enorme fogueira e fazendo com que a maior parte das cinzas dos mortos sujassem casas e telhados já distantes, na Junqueira e Ajuda.

Sour Cream


Ingredientes
200g de Creme de Leite fresco
1 pote de Cream Cheese (preferência pelo Philadelphia)
2 colheres de sopa de vinagre branco
suco de 1/2 limão
salsa picada
cebolinha picada
1/4 de colher de chá de sal

Modo de preparo
Em uma batedeira bata o
creme de leite até virar chantilly,
cuidado para não bater demais e virar manteiga. Junte
os outros ingredientes e misture.

Ingredientes

Acompanha:
Carnes, aves, batata assada, nachos, guacamole e
saladas.
Caso queira, pode preparar sem a salsa, a cebolinha e o
sal; nesse caso acompanha também bolos, tortas e
sorvetes.